No contexto da recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, surge uma reflexão profunda: podemos realmente afirmar que a soberania do júri é absoluta, ou ela se torna relativa quando o veredicto não agrada a determinadas partes? A Constituição Federal garante a soberania do júri como um direito fundamental, mas essa garantia parece ser abalada pela impossibilidade de absolvição por clemência, como visto no recente julgamento do Tema 1.087.
A questão central desse debate é a incoerência que surge ao admitir-se que o júri possa condenar com base em íntima convicção, mas não absolver quando essa mesma convicção conduz à clemência. A soberania do júri, que deveria ser um dos pilares do Estado Democrático de Direito, é, nesse caso, questionada e enfraquecida.
A decisão do STF que impede a absolvição por clemência, mas não prevê a mesma regra para condenações movidas por sentimentos de vingança ou preconceito, levanta uma série de indagações. Se a soberania dos veredictos é tão sólida ao ponto de autorizar a prisão automática em casos de condenação, por que não se aplica com o mesmo rigor quando a decisão é de absolver?
Essa aparente contradição coloca em xeque a consistência da soberania do júri. Afinal, a decisão por íntima convicção dos jurados, que é a base desse tribunal popular, deveria ser respeitada de forma integral, tanto para condenar quanto para absolver. Ao limitar essa soberania em favor do poder de condenação, o Supremo cria uma desigualdade processual que enfraquece a defesa e coloca o direito do réu em uma posição vulnerável.
O Tribunal do Júri, que historicamente foi concebido para refletir o sentimento da sociedade, corre o risco de ser desvirtuado por decisões que, ao invés de fortalecer o instituto, o subjugam a interpretações que favorecem apenas um lado do processo. Trata-se de uma distorção que ameaça o equilíbrio da justiça e o próprio princípio do devido processo legal.
Essa jurisprudencialização do direito, como apontado por Bernd Rüthers, transforma a autoridade dos tribunais em fonte primária da lei, e não mais a verdade. No fim, cabe refletir: estamos caminhando para um sistema onde a autoridade que decide prevalece sobre a verdade e a justiça? E o que isso significa para o futuro da soberania do júri e da democracia em nosso país?
Fonte: Consultor Jurídico.